segunda-feira, 22 de março de 2010

Obama faz história com aprovação da reforma da saúde

Entenda a reforma no sistema de saúde dos EUA

A proposta de lei para a reforma do sistema de saúde norte-americano, considerada a prioridade da política doméstica do presidente Barack Obama, foi aprovada no domingo.

No domingo, a Câmara dos Representantes aprovou a proposta por 219 votos a favor e 212 contra. O número mínimo de votos necessários era 216. A lei deve agora ser sancionada por Obama.

A reforma deverá beneficiar 32 milhões de americanos que actualmente não têm cobertura de saúde.

Abaixo, a Reflexões Universais responde a algumas perguntas sobre as mudanças e o impacto que a reforma pode trazer ao sistema de saúde nos Estados Unidos.

Como funciona o sistema de saúde pública actual nos Estados Unidos?

Os Estados Unidos não têm um sistema público de cobertura universal na área de saúde.

Segundo uma estimativa feita pelo governo, 46,3 milhões de pessoas nos Estados Unidos não tinham cobertura em 2008 (esse número, porém, inclui imigrantes ilegais e americanos que ganham mais de US$ 50 mil por ano).

Há alguns programas financiados pelo governo, como o Medicare, destinado a pessoas com mais de 65 anos, ou o Medicaid, para pessoas de baixa renda.

Veteranos das Forças Armadas também estão cobertos por um programa do governo, assim como crianças de famílias pobres que não se enquadram nas exigências do Medicaid.

A maioria dos americanos, porém, precisa adquirir seu próprio plano de saúde, seja por meio de seus empregadores ou por conta própria.

No caso dos planos de saúde privados, há variações nas regras e no valor a ser pago. Em alguns casos, por exemplo, o segurado tem de pagar parte do tratamento médico para depois ser ressarcido pela seguradora.

Aqueles que não têm cobertura de saúde só são atendidos gratuitamente em emergências.



Quais as principais mudanças previstas nos projectos de reforma da saúde?
No início da sua governação, o presidente Barack Obama lançou uma proposta ampla de reforma no sistema de saúde e disse que deixaria que o Congresso se encarregasse de definir os detalhes.

Em Fevereiro, diante do impasse na votação da proposta, o presidente divulgou mais detalhes do plano, que pretende ampliar o número de americanos cobertos, tornar a assistência médica mais barata e impor regras mais rígidas às seguradoras.

O sistema de saúde actual é bastante criticado por ser caro e ineficaz. Em 2007, os Estados Unidos gastaram US$ 2,2 triliões - o equivalente a 16,2% do Produto Interno Bruto (PIB) - em assistência médica.

A proposta prevê a obrigatoriedade do seguro saúde e a adopção uma regulação mais rígida para as seguradoras.

O plano prevê ainda a criação de uma bolsa de seguros para quem não tem um plano pago pelo empregador e de subsídios para a população carente.

A maioria das mudanças deve ser financiada com o dinheiro proveniente da redução de desperdício do programa Medicare.



O que dizem os críticos da reforma?

Muitos republicanos criticam a reforma pretendida por Obama e pelos líderes democratas por tornar a assistência médica "mais burocrática e cara".

Outra crítica é a de que o projecto aumentaria o tamanho do Estado, ao dar ao governo muito controle sobre o sistema de saúde. Isso levou alguns congressistas republicanos a considerar a proposta "socialista", gerando grande inquietação entre membros da oposição conservadora.

Muitos democratas também se opõem à medida, principalmente por conta dos custos envolvidos.

Na última semana, alguns desses democratas mudaram de ideia depois que a Comissão de Orçamento do Congresso divulgou a estimativa de que a reforma da saúde deverá reduzir o défice americano em US$ 138 bilhões nos próximos dez anos.

Segundo a comissão, a reforma terá custo de US$ 940 bilhões em dez anos.



Como tramitou a reforma no Congresso?

A tramitação do projecto de reforma da saúde vem cercada de polémica e de forte oposição por parte dos republicanos.

No fim de 2009, a Câmara e o Senado aprovaram versões diferentes da reforma.

Nesse caso, o procedimento padrão seria unificar as duas versões em um projecto que, então, seria enviado ao presidente para sanção.

No entanto, no início deste ano líderes democratas decidiram adoptar um outro procedimento para a votação.

A decisão foi tomada depois que o Partido Democrata perdeu a "super maioria" de 60 cadeiras no Senado - margem necessária para impedir obstruções da oposição republicana, o que poderia complicar ainda mais a tramitação da reforma da saúde.

O novo procedimento adoptado é uma complexa manobra chamada reconciliação, que prevê que o projecto possa ser aprovado no Senado por maioria simples de 51 votos.

O que a Câmara dos Representantes aprovou neste domingo?

A Câmara dos Representantes aprovou um pacote final de dois projectos neste domingo.

O primeiro é o projecto que já havia sido aprovado pelo Senado em Dezembro de 2009.

Agora, ele será enviado ao presidente para sanção e, uma vez sancionado, vira lei.

O segundo pacote, mais polémico, faz diversos ajustes nesse primeiro projecto.

Ele terá de ser votado agora no Senado - onde poderá ser aprovada por maioria simples de 51 votos por meio da manobra de "reconciliação".

Qual a previsão para que os Estados Unidos tenham uma nova lei sobre o sistema de saúde?

A primeira parte da reforma foi aprovada e deve virar lei imediatamente após a sanção de Obama.

No entanto, essa lei ainda não traz várias das mudanças pretendidas pelo presidente e pelos líderes democratas.

Essas mudanças só vão fazer parte da lei após a aprovação do segundo projecto pelo Senado.

Ainda não há data para a votação no Senado. Ela poderia ocorrer já na próxima semana, mas pode se estender por dias.



Qual a importância da aprovação da reforma da saúde para o presidente Obama?

Desde que assumiu a Presidência, Obama fez da reforma do sistema de saúde sua principal meta no campo doméstico.

Na última semana, o presidente adiou uma viagem que faria à Austrália e à Indonésia para poder ajudar nos últimos contactos em busca de apoio de parlamentares e acompanhar a votação de perto.

Segundo analistas, quanto mais engajado Obama estiver na aprovação da reforma, mais altos são os riscos políticos de uma derrota do projecto.

A rejeição da reforma no Congresso poderia ter um impacto negativo directo nos índices de aprovação do presidente, dizem analistas

A lei que Barack Obama vai assinar não alcança ainda a cobertura universal da população, mas alarga o sistema de forma a conter 95% da população. Mais de 32 milhões de americanos que actualmente não dispõem de acesso a consultas, exames e tratamentos serão integrados na rede, que se manterá essencialmente na mão de fornecedores privados.

A partir de 2014, o governo obrigará todos os adultos a ter um seguro de saúde, ou através das apólices de grupo oferecidas pelos empregadores (e que hoje são a forma privilegiada de acesso ao sistema para cerca de 85% da população) ou um mercado individual.

As famílias que tenham rendimentos superiores ao limiar da pobreza, mas que mesmo assim não disponham de recursos para suportar os custos dos seguros, terão acesso a subsídios governamentais. E as pequenas e médias empresas que cobrirem os seus funcionários serão recompensadas com créditos fiscais.

A nova legislação estabelece ainda novas regras para a actividade das companhias de seguro – e os efeitos dessas provisões serão tangíveis mesmo antes da entrada em vigor da reforma, daqui a quatro anos. Por exemplo, as seguradoras não poderão mais unilateralmente cessar as apólices como forma de evitar pagamentos nem impor um tecto máximo para reembolsos de despesas. Também deixarão de poder recusar clientes com base no seu histórico de saúde, garantindo que pessoas que já sofreram acidentes, foram submetidas a cirurgias ou que se debatem com doenças crónicas sejam incluídas nas apólices.

A factura a pagar pelo governo federal ascende aos 940 mil milhões de dólares nos próximos dez anos, de acordo com a avaliação do independente Gabinete de Orçamento do Congresso. A reforma é sustentada financeiramente através de um misto de poupanças com cortes e reajustes em programas federais e da recolha de novas receitas fiscais. Simultaneamente, contribuirá para a diminuição do défice federal em 143 mil milhões de dólares até 2020.

A minoria republicana lamentou a passagem da lei como “um erro de proporções históricas”, criticando a expansão das responsabilidades do governo na regulação dos prestadores de cuidados de saúde como uma redução dos direitos e da liberdade de escolha dos doentes.

Os conservadores alegam que a maioria do Congresso actuou contra a vontade da grande maioria da população americana, que segundo argumentam está absolutamente contra esta lei. As sondagens apontam para a divisão do eleitorado – 48% opõem-se à lei, 45% estão a favor e 7% não têm opinião, segundo os números da Gallup.

A sua expectativa é que a oposição à reforma (e de maneira geral, às iniciativas do Presidente Barack Obama) os coloque numa posição de vantagem para a vitória nas eleições intercalares do Congresso de Novembro.

Terão uma nova oportunidade para obstruir as medidas dos democratas na terça-feira, quando o pacote de emendas aprovadas na Câmara de Representantes voltar ao Senado, para ser votado, não em plenário mas antes seguindo o processo de reconciliação, que exige apenas uma maioria simples de 51 votos.

Numa declaração divulgada imediatamente após a votação de domingo, o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, garantiu que a sua bancada está preparada para “completar o trabalho e concluir este esforço histórico”.