quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Brasil e o Contragolpe da Dilma

Estava tudo preparado – mais alguns dias de agitação e, no 1 de julho, com a greve nacional, um pilantra acionaria o Supremo Tribunal Federal argumentando que diante da confusão reinante, das perdas do Brasil com a depreciação do real diante das outras moedas e da impossibilidade de se governar só havia uma solução

– o impeachment da presidenta.
Joaquim Barbosa faria um sorriso de envaidecido, já sonhando com a faixa presidencial, e daria provimento imediato à demanda. E o STF que, no caso Battisti, queria mas não pôde enquadrar o ex-presidente Lula, assumiria o controle político do país, retirando Dilma do poder.
Para garantir o golpe, legal como foi o do Paraguai, haveria a rede da grande mídia, com a Globo caprichando nos closes dos ministros togados favoráveis ao impeachment.
E a Veja lançaria a capa sacralizando o golpe – o “STJ cassa (ou caça ?) Dilma”. Em letras grandes, as primeiras medidas a serem tomadas por quem assumisse o poder – acabar com as bolsas escola e família, abrogar a lei em defesa das domésticas, privatizar a Petrobrás, acabar com as cotas universitárias em favor de negros e índios, privatizar o ensino e a saúde, acabar com a maioria dos ministérios e secretarias de governo dentro de um plano neoliberal de reduzir o Estado ao mínimo e abrindo nossas fronteiras a todo e qualquer capital estrangeiro, numa espécie de suk ou mercado livre de nossas riquezas.
Só que Dilma foi rápida na reação, impedindo que as manifestações iniciadas com justos protestos contra o aumento de passagens de transportes públicos, acabassem sendo recuperadas por setores menos interessados pelo povo e mais por assumir o poder, a fim de reverter todas as conquistas sociais dos últimos anos.
Muitos dos reclamos dos manifestantes correspondiam às necessidades da população e constituíam falhas cometidas pelo governo, no afã de construir uma base governável. Feita a autocrítica, tomada a palmada na bunda, era preciso, e logo, garantir terem sido ouvidos os protestos.
O plebiscito por uma assembléia constituinte evita que fique com o STF a decisão sobre quem governa, e restitui ao povo sua soberania. É um sabor de democracia participativa ou de democracia direta, que os suíços utilizam com frequência.
O povo nas ruas fez uma série de reivindicações que serão catalogadas para se transformarem em lei por uma assembléia constituinte.
É verdade que, depois do encontro da presidenta Dilma com a direção da OAB, surgiram dúvidas no Planalto, se o caminho a seguir é realmente o de se convocar uma Constituinte, capaz de mudar a Constituição, dentro do projeto de Reformas políticas.
O ideal seria a presidenta Dilma não ceder à OAB, que embora tenha ações louváveis e de vanguarda em diversos setores, não deixa de ser o lobby do atual establishment jurídico brasileiro, cujo emaranhado dificulta o combate à corrupção no Brasil. Principalmente quando Dilma diz querer tornar a corrupção num crime hediondo.
Como aplicar uma Reforma política sem uma Constituinte ? Tão logo seja submetido o plebiscito ao povo e aceito, o governo Dilma deveria convocar a assembléia. Como nosso regime presidencialista não permite a dissolução do parlamento, a Constituinte se faria com os atuais parlamentares. Haveria o risco de entraves e mesmo de algumas leis serem desvirtuadas, mas esse é o risco da democracia direta.
Mas não se pode esquecer que feitas as Reformas na atual Constituição, teriam de ser aprovadas num referendo submetido ao povo. Se as reformas aprovadas não corresponderem aos anseios populares, elas poderão ser rejeitadas.
Em todo caso, seja qual for a decisão tomada, o Brasil, que evita reprimir as manifestações e que aceita discutir soluções com os manifestantes, dá uma grande prova de democracia para o mundo. Mesmo a Europa não tem esse jogo de cintura com os manifestantes.
(publicado originalmente no site Direto da Redaçao)
Rui Martins, jornalista, escritor, correspondente em Genebra

Os Davids, os Golias e o "Dossier Snowden"

Poderia ser um romance de John Le Carré. Aliás, espero que venha a ser. Hollywood jamais vai filmar uma história destas. E se filmar, vai ser, provavelmente, sobre a “justa” caçada ao “traidor” Edward Snowden.
Mas os elementos do roteiro estão dados. De um lado, os Davis, a começar por Snowden, o ex-(nessa altura)agente da CIA, que trabalhava para uma empresa privada prestadora de serviços para a Inteligência norte-americana, a Booz Allen Hamilton Inc., com sede em Virginia, “a consulting firm for communication and information technology”. Além dele, Julian Assange, confinado na Embaixada do Equador em Londres há um ano; Baltasar Garzón, o juiz espanhol que teve o peito de mandar deter Pinochet na Grã-Bretanha, para escândalo de Mme. Thatcher (que Deus a tenha) e de muitos governos pelo mundo, hoje escorraçado pelo judiciário de seu país; na prisão, acusado de alta traição, Bradley Manning, o corajoso soldado que liberou informações para Assange, fechando o círculo dos Davis.
Agora os Golias: a National Security Agency dos EUA e o governo norte-americano, lançando ordens – ordens, não pedidos – de extradição de Snowden pelo mundo, ameaçando os governos latino-americanos que derem asilo ou facilitarem a locomoção do acusado. Ao mesmo tempo, o britânico GCHQ – UK Government Communication Headquarters – junto com seu congênere SIGINT – UK Government Signal Intelligence – denunciados, como os anteriores dos EUA por invasão de privacidade, controle abusivo da web, espionagem com possíveis resultados no campo comercial, industrial e outros. Parece até que para desmoralização de Washington o controle exercido por Londres era maior e mais eficiente.
Em todo caso, ambos se provaram altamente ineficientes contra o que apregoam quererem controlar: ameaças de ataques terroristas.
Coadjuvantes: do lado dos Davis, gente como Daniel Ellsberg, dos “Pentagon Papers”, no tempo da Guerra do Vietnã, provando, entre outras coisas, que os Estados Unidos forjaram informações para justificar sua intervenção no conflito. Da mesma maneira como forjaram dados – com apoio da velha mídia internacional – sobre a suposta posse de armas de extermínio em massa pelo Iraque, para justificar a invasão de 2003. Ainda do lado dos Davis está Michael Moore, o cineasta que vem denunciando sistematicamente a violência na sociedade norte-americana.
Os Golias contam sobretudo consigo mesmos. Mas têm outros Golias pela frente. O pedido (ou ordem) de extradição que o governo de Washington enviou a Hong Kong esbarrou no governo chinês – objeto, ao que parece preferencial, das espionagens norte-americanas. Assinale-se ainda o enorme contencioso que já existia entre os dois países exatamente sobre espionagem (mútua) cibernética, invasões de hackers, etc. Outro Golias na frente dos EUA. é a Rússia, também objeto das espionagens norte-americanas. Certamente Moscou autorizou a viagem de Snowden para seu aeroporto para se apossar do que em seus documentos há sobre ela mesma. Além disso, Rússia e Estados Unidos estão reescalando um clima de Guerra Fria em torno da Síria.
Por fim, assinale-se a presença do Equador, país que guarda contenciosos com os E. U. A. e com a Grã-Bretanha, e que não vai se curvar ante as exigências de Washington. Além disso, há Cuba, por onde eventualmente Snowden pode passar se for mesmo para o Equador.
De fato, o caso mostra que os Golias têm um imenso poder. Mas não ilimitado.
Também mostra que o espaço virtual é, de fato, um dos espaços primordiais das guerras e disputas do futuro. Como no caso das redes brasileiras, hoje espaços privilegiados das tentativas de cerco do governo de Brasília pelas palavras-de-ordem da direita.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O mundo visto por meio dos dados....Eles estão de olhos na sua privacidade!

Em novo livro, autores mostram como as máquinas podem prever comportamentos. O Google faz. A Amazon faz. O Walmart faz. E, como mostram notícias recentes, o governo dos Estados Unidos também.


Faz o quê? Analisam uma enxurrada de dados sobre quase todos os aspectos de nossas vidas a fim de identificar padrões de comportamento e fazer prognósticos. Esse processamento de uma grande quantidade de dados é chamado de “Big Data”.
A Amazon, por exemplo, usa dados de clientes para sugerir produtos com base no histórico de compras. O Google recorre às nossas informações para vender anúncios e alimentar serviços e produtos. A Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), segundo reportagens recentes, colecta registos telefónicos de milhões de pessoas e dados de e-mails, chamadas de áudio e vídeo, fotos, documentos e logins de empresas de internet, como Microsoft, Yahoo, Google, Facebook e Apple. O objetivo é monitorar pessoas que ofereçam ameaça à segurança do país.
Por que usar rede tão gigantesca para procurar meia dúzia de suspeitos de terrorismo? “Quem quer procurar uma agulha no palheiro precisa antes ter um palheiro”, diz Jeremy Bash, que foi chefe de gabinete do ex-director da CIA e ex-secretário de Defesa Leon Panetta.
Por que usar rede tão gigantesca para procurar meia dúzia de suspeitos de terrorismo? “Quem quer procurar uma agulha no palheiro precisa antes ter um palheiro”, diz Jeremy Bash, que foi chefe de gabinete do ex-diretor da CIA e ex-secretário de Defesa Leon Panetta.
Em Big Data, um livro esclarecedor e muito oportuno escrito por Viktor Mayer-Schönberger, professor da Universidade de Oxford, e Kenneth Cukier, editor de dados da revista Economist –, os autores argumentam que o monitoramento mudou.
“No espírito do Google e do Facebook”, escrevem, “a ideia é que as pessoas são a soma de relações sociais, interacções online e conteúdos que acedem. Para investigar um indivíduo, é preciso examinar o amplo espectro dos dados que o cerca.”
Cukier e Mayer-Schönberger sustentam que a análise de Big Data está revolucionando a maneira como vemos – e processamos – o mundo, um panorama fascinante e alarmante do impacto em todas as áreas.
Na eleição de 2012 nos EUA, a campanha de Obama usou análises de dados para montar uma formidável máquina política para identificar potenciais eleitores. E a prefeitura de Nova York também empregou esse tipo de recurso para aumentar a eficiência de actividades como o atendimento em situações de calamidade pública e a identificação de locais que vendem cigarros contrabandeados.  O volume de dados disponíveis dobra a cada dois anos e Cukier e Mayer-Schönberger argumentam que, com a queda dos custos, as técnicas de análise estão se democratizando. O Big Data fez surgir uma série de novas empresas e ajudou as que já existiam a melhorar o atendimento ao consumidor.
Num futuro próximo, afirmam Cukier e Mayer-Schönberger o Big Data fará cada vez mais “parte da solução para graves problemas globais, como a questão da mudança climática, a erradicação de doenças e o fomento à boa governação e ao desenvolvimento económico”.
O Big Data também tem seu lado negro. “A captura de dados pessoais está presente na maioria das ferramentas que usamos, de sites na internet a aplicativos para smartphones”, assinalam. O segundo perigo citado pelos autores lembra o filme de ficção científica Minority Report, que retrata um mundo em que as pessoas podem ser detidas por crimes antes mesmo de cometê-los. No futuro próximo, sugerem os autores, as análises de Big Data poderão fazer projecções de comportamento de cada pessoa. Seguradoras, por exemplo, já usam análises preventivas do tipo.
Um dos aspectos problemáticos dessas previsões, advertem Mayer-Schönberger e Cukier, é que elas podem negar “o princípio da presunção de inocência”.


Ao mesmo tempo, o Big Data exacerba “um problema muito antigo: confiar exclusivamente em números, embora eles sejam muito mais sujeitos a erro do que imaginamos”. Fracassos recentes incluem a quebra de Wall Street em 2008, que foi agravada por sistemas de negociação baseados em algoritmos matemáticos.
Além disso, como o músico e cientista da computação Jaron Lanier aponta em seu livro Who Owns the Future?, existe uma enorme diferença entre Big Data científico – dados sobre formação das galáxias ou surtos de gripe – e Big Data sobre pessoas, que é multifacetado, contraditório e pouco confiável.
A seu favor, Cukier e Mayer-Schönberger reconhecem as limitações dos números. Apesar de o livro provocar simpatia e interesse pelas ferramentas de Big Data para “quantificar e entender o mundo”, ele também alerta-nos sobre ficar a mercê da “ditadura dos dados”.
O que é Big Data?
O termo é usado para descrever o processamento de volumes muito grandes de informação como, por exemplo, todos os textos da Biblioteca Nacional ou o histórico de buscas dos brasileiros no Facebook. Big Data reúne e organiza gigantescas quantidades de dados para fins públicos ou comerciais. Em 2009, o Google ajudou a prever surtos de H1N1 nos EUA com seus dados de buscas por remédios contra gripe. Os registos de buscas também servem para que empresas criem anúncios direccionados.