quarta-feira, 6 de julho de 2011

A sensação de estagnar....

Apesar da série de acontecimentos de baixa probabilidade e de alto impacto que atingiram a economia global em 2011, os mercados financeiros continuaram a subir alegremente até há cerca de um mês.
O ano começou com o aumento dos preços dos alimentos, do petróleo e das matérias-primas, dando origem ao espectro da inflação elevada. Em seguida, desencadearam-se fortes tumultos no Médio Oriente, o que fez subir ainda mais as cotações do crude. Depois veio o terrível sismo no Japão, que provocou graves danos à sua economia e às cadeias de fornecimento global. E depois a Grécia, Irlanda e Portugal perderam o acesso aos mercados da dívida, pedindo ajuda financeira externa ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia.

Mas as coisas não se ficaram por aqui. Apesar de a Grécia ter sido resgatada há um ano, o Plano A falhou claramente. A Grécia vai solicitar mais um resgate oficial - ou uma ajuda por parte dos credores privados, uma opção que está a alimentar fortes desacordos entre os decisores políticos europeus.

Nos últimos tempos, os receios em torno dos insustentáveis défices orçamentais dos EUA também resultaram em querelas políticas, quase levando a uma crise governamental. Uma guerra semelhante está agora a fermentar em torno do "tecto de endividamento" da América, que, se não for resolvido, coloca a dívida pública norte-americana sob a ameaça de incumprimento "técnico".

Até há bem pouco tempo, os mercados pareciam estar a descontar estes choques; exceptuando alguns dias em que o pânico em torno do Japão ou do Médio Oriente levou a correcções, eles continuaram a subir. No entanto, desde finais de Abril, registou-se uma correcção mais persistente nos mercados accionistas globais, decorrente dos receios de que o crescimento económico nos Estados Unidos e no resto do mundo possa estar a desacelerar fortemente.

Os dados provenientes dos EUA, do Reino Unido, da periferia da Zona Euro, do Japão e mesmo das economias dos mercados emergentes estão a sinalizar que parte da economia global - especialmente no que diz respeito às economias avançadas - pode estar a estagnar, se não mesmo a mergulhar numa nova recessão. A aversão mundial ao risco também aumentou, à medida que a opção de "prolongar e fingir" ou "adiar e rezar" no que respeita à Grécia está a tornar-se cada vez menos desejável, com o espectro de uma reestruturação desordenada da dívida a tornar-se mais provável.

Os optimistas dizem que a economia global está simplesmente a passar por um período de abrandamento passageiro. As empresas e os consumidores reagiram aos choques deste ano através de uma desaceleração "temporária" do consumo, dos gastos de capital e da criação de empregos. Desde que os choques não piorem (e desde que alguns percam intensidade), a confiança e o crescimento retomarão na segunda metade do ano e os mercados accionistas voltarão a ganhar terreno.

No entanto, existem boas razões para acreditarmos que estamos a passar por uma contracção mais persistente. Em primeiro lugar, os problemas da periferia da Zona Euro são, em alguns casos, problemas de real insolvência, não de falta de liquidez: dívidas e défices públicos e privados enormes e crescentes; sistemas financeiros penalizados que precisam de ser saneados e recapitalizados; ausência de crescimento económico; e aumento do desemprego. Já não é possível negar que as dívidas públicas e/ou privadas na Grécia, Irlanda e Portugal precisam de ser reestruturadas.

Em segundo lugar, os factores que estão a levar a uma desaceleração do crescimento nos EUA são crónicos. Entre eles, incluem-se a lenta mas persistente desalavancagem dos sectores público e privado; o aumento dos preços do petróleo; a fraca criação de empregos; uma nova contracção no mercado imobiliário; graves problemas orçamentais a nível estatual e local; e um insustentável défice e encargo da dívida a nível federal.

Em terceiro lugar, no Reino Unido, o crescimento económico médio estancou nos últimos dois trimestres, com uma investida da austeridade orçamental numa altura em que o aumento da inflação está a impedir que o Banco de Inglaterra flexibilize a política monetária. Com efeito, a inflação poderá até obrigar o banco central inglês a aumentar as taxas de juro no Outono. E o Japão está já a resvalar de novo para a recessão devido ao sismo.

Todas estas economias estavam já a crescer de forma anémica e abaixo da tendência, uma vez que o processo de desalavancagem em curso exigia uma redução dos gastos públicos e privados, de modo a aumentar as taxas de poupança e a reduzir os níveis de endividamento. E agora, além da série de acontecimentos "cisne negro" com que as economias avançadas se confrontaram este ano, os estímulos monetários e orçamentais foram retirados na maioria delas, ou sê-lo-ão em breve.

Se o que está a acontecer acabar por se revelar pior do que um abrandamento temporário, a correcção do mercado irá continuar, debilitando ainda mais o crescimento à medida que os efeitos negativos - sobre a riqueza - da queda dos mercados de capitais forem reduzindo os gastos privados. E ao contrário do que aconteceu no período de 2007-2010, em que cada choque negativo e contracção do mercado foi sendo contrabalançado por mais medidas políticas por parte dos governos, desta vez os decisores estão a ficar sem munições, pelo que podem revelar-se incapazes de relançar os preços dos activos e de pôr em marcha a economia real.

Esta falta de armas políticas reflete-se no facto de a maioria das economias avançadas estar a implementar alguma forma de austeridade, de modo a evitar uma catástrofe orçamental no futuro. A dívida pública já está elevada e muitas obrigações soberanas estão já em dificuldades, pelo que a capacidade de os governos salvarem os seus bancos através de mais resgates, garantias e delimitação de activos questionáveis está a ser severamente limitada. É possível que não haja uma nova ronda da chamada "quantitative easing" por parte das autoridades monetárias, uma vez que a inflação está a subir - se bem que lentamente - na maioria das economias avançadas.

Se os mais recentes dados económicos globais reflectem algo mais sério do que um abrandamento momentâneo, e se os mercados e as economias continuarem a abrandar, os decisores políticos poderão ver-se também de mãos vazias. Se isso acontecer, o risco de estagnação ou de recessão em forma de W aumentará fortemente em muitas economias avançadas.


Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é "chairman" da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics (www.roubini.com) e é co-autor do livro intitulado Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance, cuja edição em capa mole foi recentemente publicada nos EUA e no Reino Unido.

© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro

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