segunda-feira, 12 de março de 2012

Da odisseia sobre a navegabilidade do Zambeze para escoamento do carvão à sábia decisão do governo moçambicano

Projecto de Carvão de Moatize, Tete.

É difícil não ficar abatido ao ler grande parte das notícias do nosso continente, países devastados pelas guerras, fome, pobreza, seca e, sem se esquecer da voraz intenção das multinacionais ocidentais em explorar o desespero dos governos locais em usufruir das receitas externas.

Mas, apenas ocasionalmente, uma história edificante rompe a bruma e o pessimismo.

É o caso de Moçambique, onde o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), cancelou 146 projectos de investimento em diversas actividades económicas, por incumprimento das exigências da legislação ambiental em vigor no país.

As propostas canceladas incluem as actividades de uma das grandes empresas ocidentais, trata-se da empresa australiana Riversdale Mining Ltd, que foi adquirida em Abril de 2010 pela anglo-australiana Rio Tinto Group. Em um comunicado à imprensa, comemorando o triunfo da sua aquisição corporativa a Rio Tinto escreveu as seguintes linhas: 
"A bem-sucedida aquisição fornece a Rio Tinto projectos de mineração e exploração de carvão em Moçambique, incluindo o projecto de Benga, uma joint venture de 65:35 com a Tata Steel Limited.

A concessão mineira havia sido concedida para esse projecto, com o carvão inicial para exportação prevista para antes do final do ano. Além disso, o projecto de carvão do Zambeze, 100% propriedade da Riversdale. Também, foi concedida uma licença de exploração para esse projecto. De referir que, esses projectos estão localizados na província de Tete, distrito de Moatize. A Riversdale também tem vários potenciais campos de exploração na região”

Deve-se salientar aqui, que o grupo anglo-americano Rio Tinto é um conglomerado de mineração cujo lucro superou, em 2010, os USD$ 60 bilhões. Na sua previsão do ambiente económico para Moçambique, em Março de 2011, o Fundo Monetário Internacional estimou que o PIB nacional para 2011 seria de US$ 10,5 bilhões, com uma taxa de pobreza de 79,8%. Então, o que terá levado as autoridades moçambicanas a cancelar um projecto proposto por uma empresa cuja receita anual ultrapassara o PIB do país em 600%?
Refira-se que a Proposta da Riversdale Mining Ltd defendia o transporte do carvão para o mar por meio de barcaças que navegassem em pleno rio Zambeze.

E, para sustentar a sua proposta, em 2011, Riversdale Mining Ltd apresentou um Relatório do estudo de Impacto Ambiental para o transporte de carvão em barcaças ao governo, estudo encomendado à empresa moçambicana especialista no assunto, a Impacto, e que, talvez não para nossa surpresa, concluiu que o transporte de carvão através do rio Zambeze não iria causar danos ambientais “significativos”.

No entanto, o governo decidiu não aprovar o projecto, apesar do facto de que o carvão tivesse um mercado pronto bem ao lado, a África do Sul.

O Secretário Permanente do MICOA, Samuel Xirinda, disse que os 146 projectos cancelados por causa de restrições da legislação ambiental constituíam cerca de um terço dos 437 dos projectos auditados pelo governo em 2011.

Mas Xirinda reconheceu que os mecanismos do governo para a supervisão continuam sendo insuficientes, afirmando: "Há também deficiências em instituições do sector no monitoramento e lidar com várias questões ambientais, razão pela qual há um esforço máximo com vista a incluir órgãos técnicos do governo no processo de tratamento de considerações de investimento, incluindo acção ambiental, recursos minerais, entre outros.

Sem dúvida, a Rio Tinto se sentiu surpreendida pela oposição do governo moçambicano, e o pior ainda pode estar por viro, já que Xirinda disse aos jornalistas, que especialistas noruegueses estão a caminho para formar técnicos moçambicanos na matéria de avaliação de projectos relacionados à exploração de hidrocarbonetos.
Governos africanos a recusar intenções das multinacionais para desenvolver as suas operações em favor das preocupações ambientais? Porque não?! Enquanto isso, os peixes do Zambeze, a maior bacia hidrográfica na África austral, que atravessa não só Moçambique, mas Angola, Botswana, Malawi, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe, bem como, juntamente com as populações que revestem as suas margens, são, sem dúvida gratos a paciência e previdência do governo de Guebuza, mesmo que momentaneamente atrase o encaixe de mais uns milhões de dólares nos cofres do Estado moçambicano. 

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